sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

QUAIS OS IMPACTOS DA VIOLENCIA URBANA NA VIDA DAS PESSOAS? (um olhar psicanalítico)


O Tema 'violência urbana' tem sido assunto de destaque em todos os meios de comunicação e é recorrente na informalidade do convívio social. Ribeiro (2007) afirma que este assunto está diante de todos, podendo ser encontrado a qualquer dia, a qualquer hora ou em qualquer lugar.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), violência urbana pode ser definida como um conjunto de diversas formas de violência, dentre elas os assassinatos, seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio, que se manifesta principalmente no espaço das grandes cidades.

Caminhar por ruas e avenidas tem se tornado uma verdadeira aventura, graças ao medo e à desconfiança gerados pelo temor da violência. Outros sentimentos, como angústia, culpa, indiferença ou revolta, podem ser constatados nos que temem, nas vítimas e nos praticantes da violência urbana.

Os impactos desta violência na vida das pessoas, segundo Lezer (2001), é tema abordado num âmbito muito maior do que simplesmente dentro de um consultório, já que esta é uma realidade que atinge não apenas indivíduos isoladamente, e sim toda a sociedade. Sob o ponto de vista psicanalítico, a violência urbana pode ter suas raízes ligadas à falta de alteridade, ao desamparo, ao narcisismo e à intolerância.

Desde que nascemos mantemos uma relação com o outro. Esta, embora necessária, é caracterizada por conflitos. A falta de alteridade, ou seja, não se colocar no lugar do outro, abre caminho para que as pessoas ajam como queiram, já que não se vêem como possíveis vítimas de um ato violento. Pela relação alteritária é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o contrário.

Segundo Jelin (1996) conflitos baseados nas diferenças de raça, etnia, gênero e classe social geram e agravam preconceitos e estigmas. Tais enfrentamentos implicam em altos graus de violência, devido ao fato de não se reconhecer os demais como seres humanos, com os mesmos direitos que os nossos. Ainda sobre a relação com os outros, Souza (2000) aborda o nascimento e o desenvolvimento humano ressaltando o contato mãe e filho. Comenta que, inicialmente, há total dependência do bebê, o qual sente que é o centro das atenções da mãe (esta representando o outro). Ao longo do tempo esta dependência é minimizada, porém com algum sofrimento. A atenção da mãe é trocada pela cultura e pelo que a sociedade pode lhe oferecer (pertencimento ao grupo, boas condições de desenvolvimento de sua vida). Contudo, se os anseios do indivíduo não forem supridos pelo grupo, este pode apresentar sentimentos de desamparo e desilusão. Além destes, há o risco da manifestação da violência.

No contexto social vigente, movido pelo individualismo e busca pela competitividade crescente, as sensações citadas anteriormente aproximam o risco da fuga da realidade e da solidão. Moretti e Machado (2004), em um artigo jornalístico, relatam que os indivíduos impossibilitados de lidar com a competição entre personalidades exibicionistas e autocentradas, que buscam o máximo desempenho numa "cultura do narcisismo, podem sucumbir. Sobre este mesmo assunto, Telles (2006), enfatiza que o rompimento do narcisismo primário é fonte de agressividade, visto que é colocada ao indivíduo uma primeira noção de limite entre este e o outro. Tal agressividade permanece latente nas pessoas.

Em "O mal-estar na civilização", Freud (1930) relata que a psique é a responsável pelo mal estar humano. Para superar tais dificuldades o homem passou a sublimar, ou seja, utilizar satisfações substitutivas, freqüentemente eficazes para compensar as dificuldades da vida. O autor também assinala as três fontes de sofrimento humano: a força da natureza, a fragilidade do corpo e a insuficiência de métodos para regular as relações sociais. A ênfase é dada ao convívio social, pois trocamos a possibilidade de felicidade pulsional pela segurança do grupo, ou seja, há um pacto entre sujeito e sociedade, no qual o sujeito pensa que receberá algo em troca e em contrapartida não recebe, pois as instituições não cumprem suas funções. Desta forma, estas acabam produzindo outra violência por abandonar os indivíduos com seus próprios impulsos no desamparo. Cabe aqui a sugestão de Endo (2005) de que a compreensão da violência urbana não pode ser feita sem que sejam esclarecidas "as concepções e os desejos latentes ou manifestos sobre o próprio corpo e o corpo dos outros."

A violência urbana atinge milhões de pessoas direta ou indiretamente, acontece de diferentes formas, em diferentes cidades e diferentes locais. A população impressiona-se com os fatos e permanece atenta ao assunto temendo ser alvo deste mal. Os veículos informativos, conscientes da curiosidade sobre o tema, acompanham com muita proximidade os acontecimentos violentos e, por diversas vezes antecipam-se à própria polícia na cobertura dos fatos (Ribeiro 2007). Esta busca por sensacionalismo expõe a imprensa a severas críticas populares. Rondelli (2001) critica a mídia, afirmando que a mesma interfere no fato, potencializa o drama e torna exacerbada a cobertura do episódio violento. Sandalo (1998), verificou que os meios de comunicação alegam apenas reproduzirem os fatos já existentes. Endo (2005), relata que a forma como o tema é abordado pela mídia conduz a população à perplexidade, provocando um impacto emocional e trazendo à tona horrores inconscientes, deixando de despertar uma nova consciência sobre o assunto.

A magnitude desta constatação faz necessária uma investigação sobre a repercussão dos embates causados por este fenômeno na psique do sujeito. Perante os impactos causados pela violência urbana, a sociedade assume um comportamento de medo, perplexidade e um certo imobilismo, pois a mesma sente-se impotente frente a tal fenômeno.

Na busca por segurança, as pessoas cercam suas casas com grandes muros, cercas elétricas, câmeras, etc. Evitam saírem de seus lares, utilizam-se de serviços de delivery, alugam filmes, fazem com que as crianças brinquem dentro de casa ao invés de irem ao parque, deixam de fazer novas amizades e resignam-se em viver num eterno cativeiro, assumindo o papel de condenados em regime semi-aberto. Canetti (1995) relata que as defesas utilizadas pelos indivíduos são decorrentes de uma fobia de contato. As pessoas trancam-se em redomas impenetráveis para terem uma sensação de segurança. Além de temerem os ladrões, têm medo também de uma possível abordagem surpresa por parte destes. Moraes (1981) já havia verificado o temor que a população tem de abordagens de estranhos nas ruas. Em última instância, a sociedade é a vítima, oprimida pelo mal praticado por seus próprios membros.

Hannah Arendt (1999) discorre sobre a complexidade da natureza humana e alerta que é necessário estar sempre atento para o que chamou de banalidade de atos do mal e evitar a sua ocorrência. É exemplo o caso de Eichmann, membro do Terceiro Reich, que praticou atos de severa violência contra os judeus com a finalidade de manter sua patente e cumprir as tarefas a ele designadas. Este oficial, de um modo assumidamente inconsciente, condenou à morte milhares de pessoas e justificou sua atitude como a de um funcionário obediente e cumpridor de suas tarefas. Ainda, segundo a autora, um funcionário incapaz de discriminação moral e um homem sem consistência própria. Como complemento e tornando atual a idéia de Arendt (1999), Aguiar (2004) contextualiza a autora associando o oficial nazista ao indivíduo contemporâneo, o qual não possui senso crítico, atuando como uma peça na máquina social e institucional, condicionado apenas pelos interesses de sua função. Da mesma forma, sem motivo aparente, sem critério de julgamento, o indivíduo pode propiciar ou praticar os maiores males. A isso Hannah Arendt (1999), denominou a "banalização do mal."

Atualmente, a inconsciência constatada pelos autores pode também ser observada como a indiferença verificada nas pessoas que sofrem atos violentos, como relatado em um texto de Rossi (2007), sobre balas e vidas perdidas. Neste artigo, a vítima afirma que os disparos não assustam mais ninguém; os que sofrem atos violentos e os espectadores consideram normal ouvir barulho de tiros durante as aulas. Ribeiro (2007) corrobora a idéia de indiferença afirmando que os praticantes de ações violentas nascem como os demais indivíduos e crescem com nenhuma, talvez alguma ou muitas indiferenças. E que tornam-se desconhecidos para muitos, assumindo o mal como objetivo de vida. Por sua vez, a sociedade, como temerária colhedora de frutos de suas próprias desigualdades, se cobra, procurando um motivo para justificar tal ser humano, que se tornou um monstro.

É preciso compreender, portanto a relação que existe entre as pessoas e os impactos da violência urbana para fazer com que o sofrimento decorrente dos mesmos seja minimizado. Isto é: a partir da compreensão do problema, podemos, Estado e população criar procedimentos, novas posturas e políticas onde a alteridade seja contemplada.

Autor: Adriana Adriano : )